Mostra Filmes e vídeos de artistas na Coleção Itaú Cultural
apresenta obras de pioneiros e da nova geração
No dia 16 de março, o Itaú Cultural inaugura a exposição que traz à tona a importância da produção pioneira do audiovisual no país e toda a sua força inventiva realizada em suportes VHS, Super 8, 16 mm e portapack, entre os anos de 1970 e 1980, ao lado de obras de artistas contemporâneos; no total, são 19 obras que incluem quatro trabalhos recém adquiridos: de Letícia Ramos e Rafael França, e dois de Paulo Bruscky.
Com um coquetel para convidados, no dia 16 de março (quarta-feira), e para visitação do público de 17 do mesmo mês a 22 de maio, o instituto dá a conhecer o seu acervo voltado para a conservação e difusão do audiovisual feito como obra de arte. Contribuição pioneira por parte de uma instituição cultural, ao formalizar por meio da aquisição, da conservação e da restauração de obras audiovisuais produzidas no país nas últimas cinco décadas, a mostra Filmes e vídeos de artistas na Coleção Itaú Cultural tem curadoria de Roberto Moreira S. Cruz. Nos trabalhos artísticos que apresenta, prevalece o cinema em sua totalidade de significados embora eles não sejam expressamente cinematográficos, uma vez que o tempo da projeção pode ser indeterminado e o filme pode não ter princípio, meio e fim.
A mostra já passou por Belo Horizonte (MG), Brasília (DF), Belém (PA), Recife (PE), Curitiba (PR) e Porto Alegre (RS). Agora é vista na capital paulista pela primeira vez, onde, além dos trabalhos exibidos na itinerância, são apresentadas as quatro obras recém-adquiridas de Paulo Bruscky, com dois trabalhos, e Rafael França e Letícia Ramos.
São, no total, 19 trabalhos do gênero que fazem parte deste acervo iniciado em 2011. Além de Bruscky, França e Letícia, eles são assinados por Alberto Bitar, Anna Bella Geiger, Brígida Baltar, Cao Guimarães, Eder Santos, Gisela Motta e Leandro Lima, Letícia Parente, Luiz Roque, Nelson Leirner, Regina Silveira, Rivane e Sergio Neuenschwander, Rubens Gerchman, Sara Ramo e Thiago Rocha Pitta.
Outra particularidade desta mostra é a sua contextualização na história do audiovisual de cunho artístico no país, por meio de depoimentos de diversos artistas e objetos de época, como catálogos de exposições, publicações e fotografias de filmes, lançados em uma linha do tempo no espaço expositivo. Abriga, ainda, um lugar de acolhimento, desenhado especificamente para esse projeto.
O Itaú Cultural também traz uma programação paralela à exposição, realizando, no mesmo mês, dia 23, o Seminário Internacional Filmes e Vídeos de Artistas, com debates abertos ao público sobre organização em acervo de filmes e arquivos, curadoria audiovisual e outros temas relacionados à produção e a conservação do gênero atualmente.
A exposição
O conceito geral de Filmes e vídeos de artistas na Coleção Itaú Cultural é apresentar um espaço aberto que possibilite uma interação entre as obras e que o visitante trace suas próprias relações com elas. A expografia foi pensada por Henrique Idoeta Soares com base nas quinas, ou arestas, da identidade visual.
Ocupando os três andares do espaço expositivo do instituto, ela se inicia no Piso 1 com uma linha do tempo, cujo conteúdo foi desenvolvido pelo curador e é ilustrado com frames, trechos de filmes, catálogos e fotografias. O texto, organizado em dados históricos, eventos e referências, faz um recorte sobre a história do vídeo experimental no Brasil, de 1920 aos dias atuais.
Neste andar, todos os trabalhos foram produzidos nas décadas de 1970 e 1980, formando o que Cruz chama de núcleo histórico. Aqui, a intenção é resgatar a importância da produção pioneira, trazendo ao olhar contemporâneo a força inventiva destas imagens. Estão presentes, obras de Rubens Gerchman, Nelson Leirner, Letícia Parente, Regina Silveira, Anna Bella Geiger, Paulo Bruscky e Rafael França.
De Gerchman, o Triunfo Hermético. A obra de 1972, foi concebida pelo artista como um poema visual e representa uma síntese do seu pensamento. O vídeo tem como referência as grandes esculturas de palavras que ele começou a construir em 1971. Relacionando esses signos verbais com a natureza e os elementos primários (terra, fogo, água e ar), cria, por meio da linguagem do cinema e recursos de animação, e da alteração da velocidade e narrativa não linear, um poema visual em movimento. Homenagem a Steinberg – Variações sobre um Tema de Steinberg: as Máscaras Nº 1, 1975 é de Nelson Leirner. Realizado em 1975, em pleno contexto da ditadura militar no Brasil, explora os mesmos signos de suas esculturas e objetos. Nesta obra, metáforas são apresentadas como forma de representar os hábitos e os costumes da classe média brasileira e da sociedade do consumo.
Também de 1975, Marca Registrada, de Letícia Parente, traz, em um único plano detalhe e sem cortes, a artista costurando com agulha e linha em seu próprio pé a frase made in Brasil. No vídeo A arte de desenhar, feito por Regina Silveira em 1980, mãos procuram imitar gestos desenhados na forma de silhuetas gráficas. O gestual e a interferência corporal são elementos narrativos intrínsecos aos significados da linguagem forjada na performance.
Passagens # 1, obra de Anna Bella Geiger, datada de 1974, busca a expressividade formal dos elementos e de aspectos psicológicos durante uma subida de escadarias, por meio da reiteração de uma mesma ação em uma narrativa sem começo nem fim. Esse mesmo andar abriga duas obras de Paulo Bruscky: Registros (Meu Cérebro Desenha Assim) e Xeroperformance (xerofilme). A primeira, de 1979, é uma videoperformance e uma das experiências realizadas pelo artista utilizando a máquina de eletroencefalograma para captar os efeitos psíquicos de seu estado emocional. A estranheza do fenômeno e a trilha sonora abstrata conferem ao vídeo um tom surrealista. A segunda, uma animação de 1980, traz uma série de fotocópias feitas pelo artista, capturando por meio de uma máquina Xerox as feições alteradas de seu próprio rosto, subvertendo a lógica da representação naturalista e da verossimilhança entre a imagem e o real.
O trabalho de Rafael França é After a deep sleep (Getting Out). Nesta obra realizada em 1985, o artista explora aspectos da narrativa, experimentando desconstruir o tempo da representação naturalista a partir de um exercício de edição e corte descontínuo em que objetos do cotidiano assumem significância psicológica. A personagem expressa opressão em relação ao ambiente doméstico.
Ainda no Piso 1, ao final da exibição das obras, o público encontra o Espaço de Acolhimento, uma sala com mobiliário desenhado para esse projeto. As paredes têm pequenos buracos por onde os visitantes observam em tablets pequenos vídeos que estão sendo enviados por outros visitantes. Esse é um lugar que se diferencia e ao mesmo tempo se relaciona com a exposição: os vídeos cotidianos, amadores, corriqueiros e íntimos, colocados ali levam a um questionamento, um olhar comparativo em relação aos vídeos de arte. Quem preferir, pode simplesmente ocupar o ambiente para descansar, ler ou pensar livremente.
Os demais dois andares abrigam o núcleo contemporâneo da coleção, em que a curadoria buscou uma interação estética entre as obras, de acordo com as possibilidades do espaço. No piso -1 encontra-se Brígida Baltar, com Coletas (1998/2005). São performances realizadas em paisagens com neblina, nas quais a artista coleta em pequenos frascos a atmosfera desse lugar. Em sua obra de 2008, O Pintor Joga o Filme na lata do Lixo [El Pintor Tira el Cine a la Basura], Cao Guimarães revela o espaço de uma galeria que exibe o vídeo Da Janela do Meu Quarto, de sua autoria, projetado sobre a parede, enquanto um pintor dá os últimos retoques na montagem. Estranhamente a imagem projetada e a tela se misturam em uma única superfície, transformando-se em objeto. A partir desta metáfora, o artista propõe ironicamente uma reflexão sobre os caminhos que o cinema pode tomar.
Ainda neste andar, em Cinema, um dos trabalhos mais recentes de Eder Santos, uma lâmpada, a chuva, um menino jogando bola, o arame farpado se movem em imagens como em um filme cinematográfico. Nesta obra, a imagem e a narrativa extrapolam os aspectos prosaicos do cotidiano e da natureza transformando-os em fenômenos poéticos reveladores. Em Sunday (Domingo), filme de 2010, de Rivanne e Sergio Neuenschwander, um papagaio, ao comer sementes, provoca inusitadas interferências na narração radiofônica de uma partida de futebol.
Outra das obras apresentadas é Translado, realizada por Sara Ramo em 2008. Atuando em primeira pessoa, como em todas as suas performances, aqui a artista retira de uma mala um número incalculável de objetos até preencher todo o espaço de um quarto e desaparecer. MAR, feito em 2008 por Letícia Ramos, é uma caixa de madeira, como um farol que emite luz e projeta imagens do mar. Assinala um processo de criação da artista que passa pelo desenvolvimento técnico-científico de produção de imagens e dispositivos de projeção, que ampliam e recriam a experiência de ver estas imagens.
Descendo para o piso -2, o visitante encontra mais uma obra de Eder Santos, Memória, esta realizada em 2001. Nela, o tempo é recriado a partir da projeção de imagens fugazes sobre objetos dispostos dentro de uma cristaleira. Como mosaicos eletrônicos, estas imagens são impuras, distorcidas e impregnadas de maneirismos, ressaltando as falhas, os ruídos e a instabilidade das lembranças inscritas memória.
No mesmo andar encontra-se a obra Amoahiki - Árvores do Canto Xamânico, de Gisela Motta e Leandro Lima, realizada em 2008 a partir de uma visita à aldeia ianomâmi Watoriki, em Roraima, o vídeo recria a sensorialidade da paisagem, integrando no mesmo campo visual o rito e a natureza. Sons e imagens se sobrepõem e criam uma visualidade onírica sobre a floresta e os seus habitantes. O recurso da tela em camadas de tecidos amplifica os aspectos pictóricos da imagem, ressaltando sua plasticidade.
Com frequência, Thiago Rocha Pitta explora os elementos da natureza em seus trabalhos, recriando, por meio da linguagem do vídeo, um ambiente primário no qual a água, o fogo e a terra estão em plena mutação. Não é diferente em Planeta Fóssil. Nesta obra, realizada em 2009, o artista, interessado nas formas de representação da natureza e nas metáforas geradas a partir da relação entre o real e a linguagem, recria, pelo enquadramento e de planos detalhes, a narrativa própria aos documentários científicos tão comuns nos canais de televisão.
Partida, de Alberto Bitar foi realizada em 2005 e tem como base a fotografia de um grupo de pessoas reunidas em uma estação de trem na cidade do Rio de Janeiro, retirada de um antigo álbum de sua avó materna. Feito em homenagem à mãe, falecida em 2001, e à filha, nascida em 2002, o artista investe sobre esta imagem documental e estática, uma implacável temporalidade, sobrepondo e fragmentando a unidade da fotografia em uma múltipla percepção de sua historicidade.
No centro deste espaço -2 está Projeção 0 e 1, um vídeo instalação de loop contínuo de imagens, de autoria de Luiz Roque realizada em 2012. Entre duas projeções análogas, a paisagem e a luz solar são estilhaçadas por uma superfície artificial e transparente. O espectador, em vez de olhar a paisagem, se sente observado por ela. Gravado com uma câmera que alcança 2,5 mil frames por segundo, alterando radicalmente o tempo de duração da imagem, este trabalho trata das formas de representação da realidade e seus simulacros.
Veja a seguir, a lista das obras que integram Filmes e Vídeos de Artistas na Coleção Itaú Cultural em São Paulo (em ordem alfabética pelo nome dos seus autores:
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