Nova Ocupação do Itaú Cultural segue a evolução
do teatro de João das Neves desde seus primórdios
A 26ª exposição da série abre no dia 26, sábado, e dá um panorama abrangente da obra do artista, passando por diversos momentos da sua trajetória iniciada há seis décadas e dedicada, até hoje, à construção de um novo teatro, uma nova dramaturgia e uma nova concepção do espaço cênico; apresentações para adultos e para crianças,
e contação de histórias relacionadas com ele, fazem parte da programação que acompanha a mostra marcada, ainda, pelo lançamento do site sobre a sua obra,
em projeto contemplado no Rumos.
Com abertura no dia 26 de setembro e em cartaz até a 8 de novembro, a 26ª mostra da série Ocupação do Itaú Cultural homenageia o autor teatral João das Neves, personalidade singular na cultura do país, também diretor de teatro, formador de atores, desenhista e autor de livros infantis. A sua vida e obra se fundem na resistência, investigação e inovação. O latente sentido dessas palavras perpassa todo o seu percurso desde que começou a despontar no teatro, nos anos de 1960, atravessando os chamados anos de chumbo, quando a ditadura militar não dava margem de manobra à liberdade de expressão, e o segue até hoje. Elas perpassam, igualmente, a Ocupação João das Neves.
A mostra apresenta em quatro eixos as configurações de sua vida, que compõem a obra e, algumas delas, são pouco conhecidas – Anos de Chumbo, Lugares, Identidades e Festa. A curadoria é compartilhada por ele próprio e Titane – cantora e sua mulher, além de colaboradora em diversos espetáculos como co-roteirista ou diretora musical –, com os núcleos do Itaú Cultural de Enciclopédia, de Artes Cênicas, e de Audiovisual e Literatura. O cenógrafo Rodrigo Cohen assina a expografia.
João das Neves nasceu, viveu e trabalhou no Rio de Janeiro. Foi um dos fundadores do Grupo Opinião, com o qual participou de uma série de montagens em espaços de arena. Fez teatro de rua com o Centro Popular de Cultura (CPC), da União Nacional de Estudantes (UNE). Neste período fez a sua primeira ruptura com o espaço cênico tradicional. Quebrou o teatro por dentro ao criar para o espetáculo O Último Carro uma ação que se desenvolve em volta do público deslocado para o centro e inserido na ação.
Rompeu com o sistema artístico estabelecido e com o assédio do mainstream ao se decepcionar com os atores que passaram a se distanciar da produção teatral no palco, atraídos pelo sucesso fácil das incipientes telenovelas. Assim começou os seus deslocamentos. Partiu para Rio Branco, no Acre, onde, ao lado dos índios Kaxinawá, passou por intensa transformação. Por fim, no início dos anos de 1990, se estabeleceu em Minas Gerais sem nunca cessar o seu trabalho criativo e a sua busca.
Atualmente em plena produção, João das Neves tem várias encenações em circulação: A Santinha e os Congadeiros, que, com elenco de congadeiros, levou ao palco um mito fundador das Irmandades do Rosário do Congado mineiro; Besouro, Cordão de Ouro e Galanga Chico Rei, ambos também com temática afro brasileira, em uma parceria de sucesso com Paulo César Pinheiro, autor dos textos e músicas; Zumbi, de Augusto Boal e Gianfranesco Guarnieri, com música de Edu Lobo; A Farsa da Boa Preguiça, texto de Ariano Suassuna, e Aos Nossos Filhos, de Laura Castro.
Neste ano, já dirigiu a peça Madame Satã, em versão adaptada pelo Grupo dos Dez para o Oficinão do Galpão, que estreou em janeiro, em Belo Horizonte, e será apresentada no Itaú Cultural na programação paralela à Ocupação. Ainda no instituto, dentro da Mostra Rumos, neste mês estreou o espetáculo Bonecas Quebradas, um dos projetos contemplados no Rumos 2013-2014.
Em breve, o artista vai dirigir e atuar na peça Lazarillo de Tormes, que escreveu inspirado na descoberta do que pode ser o texto original da obra criada na Espanha no século XVI. Vai realizar, ainda, um sonho de décadas: montar a peça de sua autoria Yuraiá – O Rio do Nosso Corpo, que retrata a saga da nação Kaxinawá no Acre.
A exposição e os seus eixos
Anos de chumbo, tal qual a vida e a obra de João das Neves, apresenta a questão da transversalidade que se mescla, ainda, em todos os ambientes da exposição. Começa pela representação de sua vivência e produção durante a ditadura militar: um corredor atravessa o centro da mostra, com paredões propositalmente desgastados, e expõe registros da sua trajetória no teatro, naqueles pesados anos. Por meio desses documentos é possível compreender a necessidade que ele sentia de levar o teatro para fora das quatro paredes, a rua, e abordar o cotidiano das classes marginalizadas. Ali estão críticas de jornais, fotografias, e o texto de uma de suas peças mais emblemáticas O Último carro, com anotações e carimbos dos censores. Ela é ilustrada, ainda, por uma maquete de um trem, cenário do espetáculo, e uma série de registros da época em que foi composta e encenada no Rio de Janeiro e em São Paulo, em 1977 e em 1978.
Outro ponto que define a vida de João das Neves é a sua transitoriedade ou deslocamentos imersivos que significaram profundas reconfigurações na vida e na criação dele. No eixo Lugares estas fases pessoais são mostradas para o público em quatro nichos representativos. Um deles, Cidade apresenta espetáculos que montou em Belo Horizonte em um recorte temático: em aparelhos touch screem interativos vê-se o processo de adaptação do livro de Guimarães Rosa e encenação do espetáculo Primeiras Estórias, de 1992, no Parque Lagoa do Nado, na capital mineira, e depois em Campinas, no interior paulista. Fotos exibidas em telas de TV exibem cenas de Pedro Páramo, de 2001, uma adaptação do livro do mexicano Juan Rulfo, encenado no Túnel Capitão Eduardo, na periferia de Belo Horizonte.
Dentro de Lugares, ainda, encontra-se a fase seguinte de João das Neves, quando foi para o Acre ministrar um workshop de seis meses e por lá ficou durante oito anos convivendo com os Kaxinawá. Foi um período de intensa troca entre os índios e esse homem que, como eles diziam, imita palavras com o corpo. Viveu ali entre as décadas de 1980 e de 1990, quando se mudou para Minas Gerais. Essa etapa é lembrada no nicho Floresta, reconstruída por meio das páginas de seus diários de viagem, onde escrevia sobre o seu novo cotidiano, e de um áudio com cantorias dos índios.
Traços de sua amizade com o seringueiro ativista Chico Mendes são revelados também nesse nicho, ambientado em um chão de terra batida e folhas secas, na peça que fez inspirado na vida e luta do amigo, Tributo a Chico Mendes. Ela foi encenada nas principais capitais do país pelo grupo teatral Poronga, formado por ele com atores amadores da periferia de Rio Branco. Ali mesmo, o público tem à disposição uma rede para se deitar e ver a projeção no teto de desenhos do artista acreano Hélio Melo.
Sertão, o terceiro nicho do eixo Lugares, retrata a relação de João das Neves com Minas Gerais e a descoberta do Congo vinculada à história com sua esposa, Titane. Ali está o único rascunho que fez para a cenografia da peça Maria Lira – escrita por ele e Luciano Siqueira a partir de depoimentos da pesquisadora, cantora e artesã Maria Lira Marques, expoente da cultura popular e de resistência do Vale do Jequitinhonha, no Norte mineiro, cujo cenário foi inspirado nas pinturas da artista. Diante de uma parede espelhada há uma maquete da frente da igreja onde ela foi encenada. Na frente, tem um Boi Bumbá e registros do encanto do artista por outras manifestações folclóricas brasileiras, como o congado.
Águas é o último nicho de Lugares. Nesse espaço a sua visão sobre a fluidez da vida, com ciclos de renovação para encontrar o seu destino, fica projetada na exibição do curta metragem Nascente, uma ficção em que ele é protagonista, dirigida por Helvécio Marins Jr., em 2005. Revela, ainda, a imersão do dramaturgo na cultura dos índios Huni Kuin, da qual um dos resultados foi o texto Yuraiá – O Rio do Nosso Corpo, em que os índios seriam os atores, mas Neves nunca conseguiu encenar.
Identidades, o terceiro eixo da mostra tem como foco personificar a resistência popular na obra de João das Neves. Traz à tona personagens criados por ele inspirados nas classes que via marginalizadas na sociedade, como os afrodescendentes, as mulheres e o movimento LGBT. Ali, o público assiste à projeção de peças que seguem essa temática: Besouro Cordão de Ouro, Galanga Chico Rei, Madame Satã, A Santinha e os Congadeiros, Aos Nossos Filhos e Flores do Lodo – As Polacas no Rio de Janeiro.
Por último, e bem ao final do corredor que atravessa o eixo da ditadura, o público é conduzido à cabeça de João das Neves e depara-se com Festa. O lado alegre e jocoso do dramaturgo, lançado às manifestações populares da cultura do Brasil, misturado a uma personalidade inquieta preocupada com os marginalizados e que promovia reuniões animadas com boêmios e agitadores culturais no Rio de Janeiro, revela ao público a essência criativa de um dos autores do teatro de resistência mais representativos e ainda ativos do país.
Esse ambiente é dedicado ao cotidiano do artista, sua convivência com pessoas de outras culturas e comunidades. Encontra-se ali grande parte das expressões populares presentes em sua obra. São instrumentos do congado, mamulengos, arte do Vale do Jequitinhonha, e indígena, literatura de cordel, fotos de família e objetos pessoais. Depoimentos de amigos falam de suas lembranças, de seu mundo e preocupações presentes em sua vida e obra – como as culturas afro-brasileira e indígena, a mulher, o trabalhador, o homem do sertão, a lavadeira, o sambista, os homossexuais, as travestis, e mais recentemente as novas famílias.
Programação paralela e site
O Itaú Cultural promove uma programação com atividades dirigidas pelo homenageado. O Fim de Semana em Família traz uma roda de contação de histórias infantis escritas por Neves, no sábado e no domingo da abertura da exposição, dias 26 e 27 de setembro, a partir das 14h, ao lado do espaço expositivo da mostra. Nos mesmos dias, às 16h, é apresentado o espetáculo infantil Mirabolante, igualmente dirigido por Neves, encenado pelo grupo Confraria da Dança.
Madame Satã, escrita nos anos de 1980, terá apresentação única na programação da série Terça Tem Teatro do dia 29 de setembro, às 20h, na Sala Itaú Cultural. Com dramaturgia assinada por Marcos Fábio de Faria e Rodrigo Jerônimo, sob orientação de João das Neves, a montagem do Grupo dos Dez, fala sobre a figura real do primeiro travesti do país que dá nome à peça, aborda o universo da prostituição, da pobreza, do racismo, da homofobia e da transfobia, tendo como cenário o bairro da Lapa, no Rio de Janeiro.
Um dos produtos resultantes do projeto de recuperação do acervo desse diretor e autor teatral, patrocinado pelo Itaú Cultural, o site www.joaodasneves.com.br será lançado na data da abertura da mostra, dia 26. Ele foi um dos selecionado no Rumos 2013-2014, o programa do instituto de fomento à arte e culturas brasileiras.
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